segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A Força das Palavras

Embora a crítica de Michel Foucault ao conceito de verdade por vezes tenda a um ceticismo que possa conduzir a uma paralisia e conseqüentemente à apatia, sua formulação de que quem controla o discurso controla a história é bastante pertinente para analisarmos o caso do Mensalão e sua divulgação na imprensa.
O caso já recebeu diversas nomenclaturas, como Valerioduto, Caixa 2, Crime Eleitoral e Dinheiro Não-contabilizado, e foi adotado por diferentes veículos de comunicação conforme seu posicionamento político-ideológico.
Vejamos alguns casos ilustrativos:
Folha, Estado, Globo e Veja adotaram Mensalão, assim como o Correio da Cidadania (www.correiodacidadania.com.br ) e o Brasil de Fato (www.brasildefato.com.br ) Já Paulo Henrique Amorim (www.conversa-afiada.ig.com.br ) e Mino Carta (www.blogdomino.blig.ig.com.br ) afirmam que o Mensalão não ficou provado e preferem o termo Caixa 2. De maneira bastante esquemática, sem entrar em nuances, podemos classificá-los em 3 grupos:
Liberal: Folha, Estado, Globo e Veja - Mensalão
Social Democrata: Mino Carta e Paulo Henrique Amorim – Caixa 2
Socialista: Correio da Cidadania e Brasil de Fato - Mensalão
Paulo Henrique Amorim e Mino Carta defendem publicamente o governo Lula, embora lhe façam restrições, Mino Carta principalmente.
Folha e Estado criticam especialmente as questões éticas do governo e a política econômica (basicamente câmbio e juros), sem, no entanto, atacar seus fundamentos.
Já o Correio da Cidadania e o Brasil de Fato atacam a falta ética do governo e os fundamentos econômicos em que se baseia.
A definição de Mensalão caracteriza-se pelo pagamento de propina a parlamentares para que votassem projetos do governo.
Já a prática do Caixa 2 refere-se a dinheiro não declarado para campanha de parlamentares.
É bom lembrar que os dois conceitos são crimes, e vale tanto para o “Mensalão Petista” como o “Valerioduto Tucano”.
Do ponto de vista moral, o termo Mensalão soa muito pior do que Caixa 2, porque, ao descrever os parlamentares como negociantes de votos, ataca a visão que temos de democracia representativa, em que o representante deveria legislar conforme suas bandeiras encampadas na campanha e não para quem lhe paga mais. Dessa forma o conceito que temos de República é corroído, pois o Executivo interferiria de modo corrupto no Legislativo.
O Caixa 2 estaria num patamar inferior de perversidade, pois, embora condenável, não chegaria a romper o fundamento da democracia representativa nem o equilíbrio dos Três Poderes. Trataria-se “apenas” de uma forma de levar vantagem no processo de campanha eleitoral.
O uso de um termo ou de outro traz implicações políticas fundamentais para o governo, principalmente para uma figura que esteve no olho do furacão: José Dirceu. Como Ministro da Casa Civil, ele era o responsável por estabelecer alianças com outros partidos. Logo, ele seria o chefe do Mensalão, conforme denunciou Roberto Jefferson e acatou o STF. Entretanto, não há nenhuma “evidência material” contra ele. Somente a denúncia de Jefferson, uma ou outra fala mais intempestiva e uma série de casos de corrupção ocorridos sob sua administração, mas que não o implicavam diretamente (Waldomiro Diniz e Correios). Diferente, por exemplo, do caso de João Paulo Cunha, cuja mulher sacou R$ 50.000,00. Isso é uma evidência material inegável de que no mínimo algo está errado. É por isso que Paulo Henrique Amorim e Mino Carta dizem que houve crime de Caixa 2 (eleitoral), mas que falta provar o Mensalão (compra de votos). Só que julgamentos também se fazem com testemunhas, e a principal testemunha contra José Dirceu é Roberto Jefferson, político extremamente astuto e que não esperava tornar-se réu no escândalo que ele mesmo denunciou.
O crime de Caixa 2 tende a isentar José Dirceu, porque fica restrito à área financeira do partido, ou seja, Delúbio Soares, e ao presidente do partido, José Genoíno, que assinou os empréstimos contraídos. O processo delimitaria-se à campanha, sem entrar na legislatura e na relação tensa entre Executivo e Legislativo. Entretanto, pagamentos foram efetuados quando os deputados já estavam legislando e é aí que a porca torce o rabo. Como provar que uma coisa não tem nada a ver com a outra? Impossível saber. Mas o texto está se alongando e adentrando demais no campo político, cujo espaço é às quintas. Voltando à mídia e aos jornais e blogs citados, podemos concluir que a opção pelo termo Mensalão implica num ataque direto ao governo, seja pelo lado liberal, que não vê com bons olhos a seqüência de escândalos nem a reafirmação do socialismo no PT em seu último congresso (embora completamente descaracterizado, mas sempre um risco ao liberalismo), seja pelo campo mais à esquerda, que consideram insuficientes os projetos governistas e uma traição as alianças com setores conservadores em prol da “governabilidade”. Os fatos obtidos até agora dão respaldo a Paulo Henrique Amorim e Mino Carta, os quais, numa luta inglória, proclamam que o chamado Mensalão tratou-se, por enquanto, de pagamentos de campanha não declarados, o que configura crime eleitoral. Que ficaria muito bem sob o rótulo de Valerioduto, pois dá conta da prática ilegal e corrupta implementada tanto por tucanos quanto petistas, sem que se caia num pré-julgamento, como no caso do termo Mensalão – criado por Roberto Jefferson, é bom lembrar, personagem interessado em dinamitar o governo. Quanto à situação de José Dirceu, qualquer afirmação de envolvimento é mera especulação. Aguardemos os fatos.

13 comentários:

Tatu disse...

enquanto isso na sala de justiçã a revista veja aplaude o BOPE?

Elton, qual a diferença então de mensalão pra a esquerdalha e para a tucanice?
qual a relação que vc tentou traçar?

veja, os extremos usam o mesmo termo, pq?

Tio Vinix disse...

PERAÍ!!!!!!!!!
QUE ESQUERDA MEU?!?!?!?!?!?

Elton disse...

Ivan,

Não vejo diferença entre a aplicação do conceito Mensalão pelos Liberais ou pelos Socialistas. O que muda são os objetivos. Explico, conforme o texto:

Mensalão implica num ataque direto ao governo, seja pelo lado liberal, que não vê com bons olhos a seqüência de escândalos nem a reafirmação do socialismo no PT em seu último congresso (embora completamente descaracterizado, mas sempre um risco ao liberalismo), seja pelo campo mais à esquerda, que consideram insuficientes os projetos governistas e uma traição as alianças com setores conservadores em prol da “governabilidade”.

Elton disse...

Vinix,

Considero à esquerda o posicionamento dos jornais Brasil de Fato e Correio da Cidadania, pois defendem suas bandeiras históricas. Claro que há contradições aí no meio, mas, até aí, já disse Mano Brown: as contradições só acabam quando a gente morre.

Tatu disse...

a esquerda é um tucano pintado de vermelho segurando uma foice na mão direita.

Elton disse...

Ivan, discordo. Mas aí a gente conversa melhor sobre isso num bar tomando cerveja. Não dá pra entrar numa questão tão complexa num mísero comentário.

Julia disse...

O nome pode mudar, mas o crime e a sem-vergonhice são os mesmo, Elton. Um quer atacar o lula, outro quer atacar uma "figura maior", toda a política econômica dos últimos 13 anos.

Mas o crime e a falta de ética são, em absoluto, os mesmo.

Elton disse...

Musa Julia,
Se o crime é o mesmo tanto num caso como noutro, não sei dizer. Você entende melhor disso do que eu. Apenas considero que Mensalão (compra de votos), à luz das instituições republicanas, é muito mais grave do que caixa 2. A existência de caixa 2 ficou provada e admitida por diversos acusados, já o pagamento a deputados da base aliada algumas vezes coincidiu com votações cruciais para o governo, noutras, não. Sem contar que, se por um lado os votos dos pequenos partidos, como PL e PP, reforçam a tese de que foram comprados, isso não explica por que o PT precisaria comprar seus próprios parlamentares, uma vez que dispõe de um método bem menos desgastante para aplacar os dissidentes: a expulsão. Por isso prefiro o termo Valerioduto, pois dá conta tanto da prática do caixa 2, como da coincidência e não coincidência de pagamentos próximos a votações de interesse do governo. Além disso, atinge tanto tucanos (caso de Eduardo Azeredo, em 1998), como petistas. Como ainda há essa ambigüidade na relação entre votações e saques, não acho correto o uso do termo Mensalão.
Há um bom resumo do caso na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Esc%C3%A2ndalo_do_mensal%C3%A3o

Julia disse...

Ah, sim, sem dúvida são 2 práticas diferentes, Caixa dois praticamente todo mundo faz. Agora mensalão é compra descarada de voto, tráfico de influência, formação de quadrilha, por aí vai.

Digo que no caso do mensalão, podem tentar amenizar com o nome de Caixa dois, mas no fundo, sabemos que foi um dos casos revelados mais sujos do Governo atual. Por isso não gosto nem de pensar em todos os outros casos dos quais não sabemos desse e de outros governos...

Julia disse...

Ou valerioduto, como preferir, que abrange as 2 práticas como vc disse. Mas o Caixa 2 é mais "ameno" mesmo, enquanto o mensalão é descarado...

Carol M. disse...

Com licença, vou vomitar e volto já.

salvaterra disse...

essa prática de de destrinchar o crime e pôr tudo nos seus devidos lugares... hehe.

Anônimo disse...

Elton, "ataca a visão que temos de democracia representativa" me parece tão ingênuo...
Isso porque a idéia munida dos atributos pertinentes é impraticável. Utópica. As pessoas carregam seus defeitos pra dentro dos conceitos sempre que tentam tirá-los do mundo conceitual e pô-los em prática. Assim, só sobrevive se viciado. E, sendo viciado, dá no que estamos vendo aí, há tanto tempo. Logo, nossa visão de democracia representativa é a do sujo representando o deslavado, porque esse é o exemplo real, não o conceito. Ou somos nós tão cobradores dos nossos direitos e do respeito devido assim? Se o pequeno vive usando o famoso "jeitinho brasileiro" pra se dar bem, acha que o grande não vai usar? Somos representados exatamente pelo que nós próprios somos (obviamente, uma generalização).
De resto, esquecer o crime e se concentrar na definição do crime é um passo pra virar pizza.