Senhoras e Senhores,
Já que domingo não é dia de feira, aqui no tantaprosa vai ser. Alguns podem me achar burocrata, outros ditador, outros podem apenas me achar sem graça. A verdade é que domingo "ninguém é de ninguém", não há uma pessoa responsável pelas postagens aqui no tantaprosa.blogspot.com, dessa forma todo mundo posta. Como assim?
Veio a idéia do vinix: "dia do conto", ou seja todo mundo pode jogar um conto no ar. Assim sendo fico por este domingo mandando duas crônicas da Ju Simon atualmente jornalista do ig (último segundo), que manda muito bem na arte de escrever crônicas e reportar fatos. Portanto não são contos, mas crônicas...A diferença de um pra outro é só pesquisar nos manuais. Apesar de trabalhar num meio fácil de ser engambelado pelas "forças ocultas" e fácil de engambelar a massa, nossa cara jornalista - terceiro ano de PUC - resolveu em crônicas e contos essa questão: ideologia da empresa x opinião própria. Boa leitura!
Já que domingo não é dia de feira, aqui no tantaprosa vai ser. Alguns podem me achar burocrata, outros ditador, outros podem apenas me achar sem graça. A verdade é que domingo "ninguém é de ninguém", não há uma pessoa responsável pelas postagens aqui no tantaprosa.blogspot.com, dessa forma todo mundo posta. Como assim?
Veio a idéia do vinix: "dia do conto", ou seja todo mundo pode jogar um conto no ar. Assim sendo fico por este domingo mandando duas crônicas da Ju Simon atualmente jornalista do ig (último segundo), que manda muito bem na arte de escrever crônicas e reportar fatos. Portanto não são contos, mas crônicas...A diferença de um pra outro é só pesquisar nos manuais. Apesar de trabalhar num meio fácil de ser engambelado pelas "forças ocultas" e fácil de engambelar a massa, nossa cara jornalista - terceiro ano de PUC - resolveu em crônicas e contos essa questão: ideologia da empresa x opinião própria. Boa leitura!
A liquidação do mundo
Por Juliana Simon
Um menininho orelhudo de olhos azuis, acompanhado de seu pai e de seus coleguinhas fardados e engravatados, entra em um grande mercado. Todos conduzem um gigante carrinho movido a óleo diesel, produzido por mãozinhas superexploradas e devidamente demitidas após a chegada de uma máquina que pode fazer esse trabalho sem pedir férias ou salário justo.
Chegando ao primeiro corredor, encontram uma prateleira quase vazia. Com algumas armas ultrapassadas, uns foguetes, algumas bandeiras vermelhas estampadas com foices e martelos. Outras, muito cheias, exibem soldados e bases militares prontas para uso. O pai não dá mais tanto valor a esses produtos, mas seu filho, com a ajuda de seus amigos, encontra tudo o que precisava para aquela receita bombástica. O menino coloca a prateleira inteira no carrinho, tudo embalado em um saco estampado G-8.
Uma gôndola ao lado exala forte cheiro de Napalm. Paira uma nuvem atômica sobre eletroeletrônicos e Pokemons. Escondidos atrás de imensos cofres cheios de privatizações, especulações e “bolhas econômicas”, está uma Revolução Cultural e o retrato de um senhor oriental olhando para o horizonte. Ao lado deles, estão tanques. E abaixo dos tanques, estudantes. Na Paz. O menino fica na pontinha dos pés tentando alcançar um produto mais novo. Frustrado, recua e resmunga “Quero Pyongyang já!”.
O pai, na tentativa de animar o filho, o leva pela mão a um corredor imenso. Apontando para a esquerda, mostra ao menino produtos tradicionalmente usados pela família. O garoto tenta insistentemente abrir três deles. Uma ilha, um barril de petróleo e depósitos de coca e gás natural. Não desiste e consegue tirar o lacre de pacotes de café e cocaína. Nos auto falantes, ouve-se uma música familiar. Mariachis tocam “A Bandeira Estrelada”.
“Esse já foi mais resistente”, pensa o pai. Munido de uma faquinha FMI, o garoto enche as mãos de Amazônia. Seus olhos brilham ao ver uma imensidão de mão de obra barata e recursos naturais. ALCA por álcool? Brinca, chacoalha e deixa de lado. Buenos Aires ou Brasília? Who cares?
À direita, muita areia, petróleo e sangue. São tantas as opções! De costas para os talebãs, com uma mão nos palácios do enforcado, outra nas crianças munidas de pedras, os pequenos sussurram “Teerã”. Colam etiquetas em quase tudo. “Terrorismo”, “Armas Nucleares”, “Ditadura”. Com cuidado, colocam no carrinho itens preciosos, nomeados Mossad e Likud.
Passam reto por um corredor extremamente quente e barulhento. Com alguns diamantes e petróleo, é verdade, mas nada que valha uma “cruzada” por enquanto. Como comprar em um lugar que Hollywood, McDonalds ou Microsoft não são moedas de troca? Já no caixa, tiram a ONU dos bolsos, mas decidem pagar com democracia. A funcionária olha e desconfia: “Desculpe senhor, é falsa”.
Por Juliana Simon
Um menininho orelhudo de olhos azuis, acompanhado de seu pai e de seus coleguinhas fardados e engravatados, entra em um grande mercado. Todos conduzem um gigante carrinho movido a óleo diesel, produzido por mãozinhas superexploradas e devidamente demitidas após a chegada de uma máquina que pode fazer esse trabalho sem pedir férias ou salário justo.
Chegando ao primeiro corredor, encontram uma prateleira quase vazia. Com algumas armas ultrapassadas, uns foguetes, algumas bandeiras vermelhas estampadas com foices e martelos. Outras, muito cheias, exibem soldados e bases militares prontas para uso. O pai não dá mais tanto valor a esses produtos, mas seu filho, com a ajuda de seus amigos, encontra tudo o que precisava para aquela receita bombástica. O menino coloca a prateleira inteira no carrinho, tudo embalado em um saco estampado G-8.
Uma gôndola ao lado exala forte cheiro de Napalm. Paira uma nuvem atômica sobre eletroeletrônicos e Pokemons. Escondidos atrás de imensos cofres cheios de privatizações, especulações e “bolhas econômicas”, está uma Revolução Cultural e o retrato de um senhor oriental olhando para o horizonte. Ao lado deles, estão tanques. E abaixo dos tanques, estudantes. Na Paz. O menino fica na pontinha dos pés tentando alcançar um produto mais novo. Frustrado, recua e resmunga “Quero Pyongyang já!”.
O pai, na tentativa de animar o filho, o leva pela mão a um corredor imenso. Apontando para a esquerda, mostra ao menino produtos tradicionalmente usados pela família. O garoto tenta insistentemente abrir três deles. Uma ilha, um barril de petróleo e depósitos de coca e gás natural. Não desiste e consegue tirar o lacre de pacotes de café e cocaína. Nos auto falantes, ouve-se uma música familiar. Mariachis tocam “A Bandeira Estrelada”.
“Esse já foi mais resistente”, pensa o pai. Munido de uma faquinha FMI, o garoto enche as mãos de Amazônia. Seus olhos brilham ao ver uma imensidão de mão de obra barata e recursos naturais. ALCA por álcool? Brinca, chacoalha e deixa de lado. Buenos Aires ou Brasília? Who cares?
À direita, muita areia, petróleo e sangue. São tantas as opções! De costas para os talebãs, com uma mão nos palácios do enforcado, outra nas crianças munidas de pedras, os pequenos sussurram “Teerã”. Colam etiquetas em quase tudo. “Terrorismo”, “Armas Nucleares”, “Ditadura”. Com cuidado, colocam no carrinho itens preciosos, nomeados Mossad e Likud.
Passam reto por um corredor extremamente quente e barulhento. Com alguns diamantes e petróleo, é verdade, mas nada que valha uma “cruzada” por enquanto. Como comprar em um lugar que Hollywood, McDonalds ou Microsoft não são moedas de troca? Já no caixa, tiram a ONU dos bolsos, mas decidem pagar com democracia. A funcionária olha e desconfia: “Desculpe senhor, é falsa”.
Mesmas lutas, outra militância
Por Juliana Simon
A tal revolução cansa. Em algum momento, inesperadamente, todos os gritos, passeatas, assembléias, discursos, panfletos e votações esgotam a paciência. Pouco a pouco, o mundo ultrapassa os portões da universidade e se percebe que americanos, capitalistas, reitoria e governo pouco se abalam com berros juvenis inflamados.
No princípio, uma decepção tremenda com esse mundo surdo aos protestos. Há sempre uma causa perdida a ser defendida. Como lutar contra um sistema que não se mexe quando contrariado por meia dúzia de gatos pingados? E o povo que sofre? Por que não se junta aos que lutam por eles? Neste ponto, vem a resposta dolorosa: “Porque ninguém tem fôlego para mobilização quando se trabalha o dia todo, passa fome e não conhece seus direitos”.
Depois disso, vem a negação, ou resistência, ou a mais pura e infantil teimosia. Atrás de milhares de livros (que o povo não leu), filmes (que o povo não viu) e debates (que o povo não ouviu) constrói-se uma fortaleza da utopia revolucionária. Protegido atrás do estereótipo, já incorporado, das chinelas de couro, barbas, saias indianas e muito Chico Buarque, o sonho (que o povo não tem) está seguro. E muito distante de virar realidade.
Com o primeiro emprego, tudo desanda de vez. A rebeldia se torna obediência ao chefe. Os ideais são substituídos por responsabilidades do dia-a-dia. O salário ocupa o lugar de todo ímpeto anti-capital e anti-consumo. Não há mais tempo para as intermináveis e pouco conclusivas reuniões.
Em algum minuto de nostalgia, chega a culpa por não conseguir levar a vida dupla de militante socialista e capitalista sujo. Pede perdão aos ex-companheiros, reza para Che, fecha o manifesto e promete algum dia voltar.
O tempo passa e as promessas são esquecidas em alguma gaveta, junto com as várias cartas de repúdio, programação de debates, adesivos “de luta”. Do lado de fora, as manifestações continuam ainda sem muito resultado. Parece que aqueles meios, usados antes por nossos pais e avôs, não quiseram evoluir. A revolução virou o partido de uma derrota eterna, desinteressado em realmente estourar, mendigando o próximo passo imperialista para poder sentir que ainda vive.
De certo modo, todo esse breve passado de “esquerda” ainda vive dentro da felicidade besta de ter dinheiro na conta e poder pagar as contas no final do mês. A velha vontade de mudar o que está aí retorna, sem culpa ou saudade, mas com a impressão de que há um mundo de novos rumos a serem tomados para alcançar os antigos ideais, com mais criatividade, pé no chão e menos arrogância. Não é guia de auto-ajuda ou lição de moral. É o cansaço da revolução regada à hipocrisia, intolerância e (quem poderia imaginar) reacionarismo.
Por Juliana Simon
A tal revolução cansa. Em algum momento, inesperadamente, todos os gritos, passeatas, assembléias, discursos, panfletos e votações esgotam a paciência. Pouco a pouco, o mundo ultrapassa os portões da universidade e se percebe que americanos, capitalistas, reitoria e governo pouco se abalam com berros juvenis inflamados.
No princípio, uma decepção tremenda com esse mundo surdo aos protestos. Há sempre uma causa perdida a ser defendida. Como lutar contra um sistema que não se mexe quando contrariado por meia dúzia de gatos pingados? E o povo que sofre? Por que não se junta aos que lutam por eles? Neste ponto, vem a resposta dolorosa: “Porque ninguém tem fôlego para mobilização quando se trabalha o dia todo, passa fome e não conhece seus direitos”.
Depois disso, vem a negação, ou resistência, ou a mais pura e infantil teimosia. Atrás de milhares de livros (que o povo não leu), filmes (que o povo não viu) e debates (que o povo não ouviu) constrói-se uma fortaleza da utopia revolucionária. Protegido atrás do estereótipo, já incorporado, das chinelas de couro, barbas, saias indianas e muito Chico Buarque, o sonho (que o povo não tem) está seguro. E muito distante de virar realidade.
Com o primeiro emprego, tudo desanda de vez. A rebeldia se torna obediência ao chefe. Os ideais são substituídos por responsabilidades do dia-a-dia. O salário ocupa o lugar de todo ímpeto anti-capital e anti-consumo. Não há mais tempo para as intermináveis e pouco conclusivas reuniões.
Em algum minuto de nostalgia, chega a culpa por não conseguir levar a vida dupla de militante socialista e capitalista sujo. Pede perdão aos ex-companheiros, reza para Che, fecha o manifesto e promete algum dia voltar.
O tempo passa e as promessas são esquecidas em alguma gaveta, junto com as várias cartas de repúdio, programação de debates, adesivos “de luta”. Do lado de fora, as manifestações continuam ainda sem muito resultado. Parece que aqueles meios, usados antes por nossos pais e avôs, não quiseram evoluir. A revolução virou o partido de uma derrota eterna, desinteressado em realmente estourar, mendigando o próximo passo imperialista para poder sentir que ainda vive.
De certo modo, todo esse breve passado de “esquerda” ainda vive dentro da felicidade besta de ter dinheiro na conta e poder pagar as contas no final do mês. A velha vontade de mudar o que está aí retorna, sem culpa ou saudade, mas com a impressão de que há um mundo de novos rumos a serem tomados para alcançar os antigos ideais, com mais criatividade, pé no chão e menos arrogância. Não é guia de auto-ajuda ou lição de moral. É o cansaço da revolução regada à hipocrisia, intolerância e (quem poderia imaginar) reacionarismo.
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