O Ministro volta forte novamente! E nada melhor para comemorar a superação dos obstáculos do que falar das barricadas de Paris em 1871. Sim, falemos da
Comuna, mesmo sendo um evento distante espacial e temporalmente. Aliás, existe uma teoria sobre História que bem cabe a esse meu texto. Todo historiador escreve a partir do presente, com a visão do presente e com os problemas do presente. Em outras palavras, só conseguimos reconhecer no passado aquilo com que estamos familiarizados em nosso tempo. Tenho certeza de que entenderão o que quero dizer no decorrer da leitura.
Execução, após a derrota da Comuna, com damas burguesas e soldados preparando-se para fuzilar operários.
Não se pode entender a Comuna sem falar da
Reforma de Paris. A Reforma intensificou as diferenças existentes na cidade. Criou um centro burguês, luxuoso e que incentivava o consumo deliberado de produtos sem grande importância, mas criou também um conglomerado de distritos onde a população pobre se concentrou, e que serviu de modelo para reformas em todo mundo, inclusive Rio de Janeiro e São Paulo no inicio do século XX. È a história da Paris plebéia que a Comuna retrata; uma Paris que não aceitava quieta as recentes imposições do governo imperial, que tinha seu próprio “mundo”, tão diferente do outro lado aristocrático-burguês, que muitas vezes atraia esses capitalistas curiosos de novas experiências. O Segundo Império (comandado por
Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte) não representava a massa, dava possibilidades da burguesia enriquecer enquanto mantinha tradições aristocráticas. A “marcha para o progresso” procurava ostentar o triunfo das ciências, ao mesmo tempo que recuperava monumentos medievais, construía grandes palácios e estatuas de figuras nobres que eram espalhadas por toda cidade. Foi um período de mudança de comportamentos, modas alternadas constantemente, enquanto o Império sustentava palacetes e obras enfeitadas tradicionalmente para embelezar a cidade. Ressaltava aos olhos o contraste de um tradicionalismo revestido de modernidade que destoava do dia a dia do povo e dos artistas marginais que desenvolviam um novo realismo. Existia então duas Franças: O proletário à assistir o cancã das prostitutas e o burguês ao L´Opéra. O pobre tinha sua própria cultura, sua própria opera representada nos cabarés. Segundo os burgueses, ali o publico revelava tamanha decadência e estupidez, ria de forma tão depravada, enlouquecia em seu entusiasmo, parecia rumar para uma revolução. Só muito derramamento de sangue haveria de limpar o ar. Era o confronto de classes se dando em diversas esferas, nas artes, na dança, na música etc. O segundo Império favoreceu o consumo da burguesia, entretendo-os longe das decisões. A nova geração, segundo um intelectual da época, vivia num vácuo mental e emocional. Tendo pensado sobre a roupa que deveria vestir e os acessórios indispensáveis à sua imagem, o jovem da época esgotaria sua capacidade de raciocínio. Eram isentos de paixões violentas, o excesso os amedrontava. Burgueses por natureza, evitavam o tédio e qualquer tipo de risco também. O proletário era a preocupação principal da modernidade. A Reforma ampliara imensamente a oferta de trabalho da mão de obra civil, atraindo pessoas do campo e operários de outras cidades. Como alojar todos? Um amontoado de operários que crescia vertiginosamente passou a chamar atenção do Estado receoso de uma Revolução Popular. A nova cidade se conformava à lógica geométrica; a sistematização burguesa se sobrepunha à antiga cidade cosmopolita. A rua, antes pequena e dos ambulantes, agora era ampla para o tráfego da nova elite. A “arte de perambular”, de caminhar, ficara ameaçada pela lei do trânsito que a reforma impôs. Mas a mente humana resistiria a mecanização plástica pela qual a cidade passou, e se levantaria contra a opressão que o sistema da reforma impulsionou. A coisa se agrava com a Guerra Franco Prussiana, onde já de inicio Napoleão III é preso pelas tropas de Bismarck; levando com que Paris decrete a republica logo
em seguida. O cerco do exército Prussiano à cidade acaba unindo a população sobre o impulso patriótico. A partir de então desencadeiam-se os fatos conhecidos, a Comuna é decretada, e vemos surgir a tona, nos artigos que deveriam reger a vida em sociedade, as luta da França operária contra a França burguesa. Só para dar gostinho na boca, colocarei três artigos dentre os vários decretados durante o movimento:
- Artigo IV. Sobre o problema da habitação, tomam-se as seguintes medidas: expropriação geral dos solos e sua colocação a disposição comum; requisição das residências secundárias e dos apartamentos ocupados parcialmente; são proibidas as profissões de promotores, agentes de imóveis e outros exploradores da miséria geral; os serviços populares de habitação trabalharão com a finalidade de restituir verdadeiramente à população parisiense o seu caráter trabalhador e popular.
- Artigo V. Sobre os transportes, tomam-se as seguintes medidas: os ônibus, os trens suburbanos e outros meios de transporte públicos são gratuitos e de livre utilização; o uso de veículos particulares é proibido em toda a zona parisiense, com exceção dos veículos de bombeiros, ambulâncias e de serviço a domicilio; a Comuna põe à disposição dos habitantes de Paris um milhão de bicicletas cuja utilização é livre, mas não poderão sair da zona parisiense e seus arredores.
- Artigo VIII. Sobre o Urbanismo de Paris e os arredores, consideravelmente simplificado pelas medidas precedentes, tomam-se as seguintes decisões: proibição de todas as operações de destruição de Paris: vias rápidas, parques subterrâneos etc.; criação de serviços populares encarregados de embelezar a cidade, fazendo e mantendo canteiros de flores em todos os locais onde a estupidez levou à solidão, à desolação e ao inabitável; o uso doméstico (não industrial nem comercial) da água, da eletricidade e do telefone é assegurado gratuitamente em cada domicilio; os contadores são suprimidos e os empregados são colocados em atividades mais úteis.
O que vemos nos artigos é a tentativa de reformular a cidade segundo os padrões das classes proletárias. È uma resposta instintiva àquele ideal urbano imposto anteriormente, que se dissociava da vida real da grande população. Esta “reforma”, feita pela Comuna, também é destruidora e demolidora de monumentos públicos, mas no intuito de destruir as forças que não expressassem o homem produtor. Hoje enfrentamos uma diferença gritante daquela época: a periferia não mais se identifica entre si, mas se espelha na cobiça, lutando para um dia ser igual aos que menosprezam as classes baixas. A falta de coesão dificulta o reconhecimento dos processos exploratórios que atingem os pobres, resultando num conglomerado medíocre que busca acumular objetos e acessórios para disfarçar sua origem social. A História serve como ensinamento e estimulo ao pensamento critico nessas horas; talvez por isso tenha saído de moda.
6 comentários:
Bela aula, Ministro. Valeu a espera por um novo texto.
Realmente tenho que concordar com meu Duplo, Ministro Puskas, vosso texto é refinado e empolgante.
Gostaria de contribuir com nosso blog? Tenho certeza de que um futuro mais promissor o aguarda no proza, onde valorizamos imenso nossa Comuna.
Vosso Original que lá se encontra não se importaria com sua contribuição de forma alguma, aliás, creio que ficaria feliz em ter um companheiro que compartilhe suas preferências bigodudas.
Lema da Reforma Urbana de Paris: Barricadas nunca mais!
- Por que avenidas tão largas e compridas, sr. Haussmann?
- Bala de canhão não dobra esquina.
Leitura para as férias: o que Baudellaire, Robert Musil, Kafka e João do Rio têm em comum?
Suas obras são marcadas pela vida urbana ou no contexto das reformas propriamente ditas ou nas relações sociais assépticas que elas engendram. Projeto de mestrado no ar?
texto de dar orgulho de fazer parte deste blog hein.
Que orgulho desse menino! Se já escreve assim na graduação, imagine do mestrado!
Beijos, ilustríssimo Ministro.
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