sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Sexta Literária: É tudo nosso...

Chega de propagandas, mas é sempre bom propagar as possibilidades de arte. Seja cá, sejá lá...Seja onde for.
Para esquentar o encontro do Festival Tordesilhas, decidi discutir por aqui o conto Portagem do Moçambicano Orlando Mendes.
Desenvolvi uma breve discussão e decidi que deveria abrir o papo com vocês, sem mesas de bar por enquanto...mas esse dia há de vir, tenho fé.
A resistência é predominante em determinados momentos na literatura Africana.
Quando falamos de Moçambique podemos identificar no conto “Portagem” de Orlando Mendes duas histórias que se entrecruzam.
A primeira história é a de um relacionamento entre Luisa e João Xilim em que ocorre a traição por parte da mulher, ou melhor, João Xinim é trocado por um “Branco” e "isso ele jamais adimitiria", pelo menos era o que imaginava Luisa.
Mais uma vez a prova de que literatura é imitação da vida assim sendo João Xilim pega uma faca e tenta acabar com a vida de Luisa, como vemos em muitas histórias do cidade alerta e de programas sensacionalistas da televisão. Luisa foge, mas arrepende-se. João Xilim volta para casa em que morava com a mãe Mamane Angelina e com Marcelino seu irmão.
Luisa decide ir dormir na porta da casa da mãe de João Xilim, vejam só o que acontece...
A sogra aparece na história, a moça é colocada para dentro de casa e o convívio entre João Xilim e a moça novamente volta a acontecer:

“Foi ficando. Vendo João Xilim todos os dias. Ele não lhe diz uma palavra procedendo como se não vivessem na mesma casa. Luísa não se queixa. Sabe que não merece a piedade de ninguém muito menos do marido. Se alguma coisa ela ainda merece é pancada.”

A primeira discussão que poderíamos tratar logo de cara é a respeito da traição, conseqüentemente da cólera por parte do marido que desencadeia numa sede de vingança. A sogra passa um pano na situação e traz a nora de volta pra casa.
Em algum momento deste novo encontro entre os dois personagens João Xilim fica a sós com Luísa, eles fazem sexo e ela fica grávida, coisa que João Xilim em primeiro momento não acredita.
A segunda história que se entrecruza com a primeira narrada até aqui pode apontar para semelhanças às histórias de Borges e Kafka de acordo com a teoria de Piglia sobre narrativas breves, há narrativas breves que se entrecruzam e isto causa um suspense adequado no leitor.
João Xilim tinha suas origens negras e não as negava juntamente com as origens de sua família. Estes eram vítimas de problemas sociais e raciais. Eram pobres e ainda por cima negros. Eis os acontecimentos:

“Um dia chegaram àquele bairro das palhotas do subúrbio um automóvel e um caminhão. Os negros que vinham neste, carregaram os instrumentos e seguiram atrás dos brancos. As mulheres apareceram curiosas às portas das casas. Os brancos fizeram medições, tiraram apontamentos, conferenciaram largamente. Um negro reuniu a população do bairro e explicou que os brancos donos do grande terreno iam construir muitas casas para brancos, os habitantes tinham que deixar o bairro no prazo de três meses”.

Há diferença entre casas de brancos e casas de negros. Trata-se da visão saturada e preconceituosa de que negro é pobre e branco é rico. Trata-se da visão do opressor sobre o oprimido, mais uma vez a velha discussão de que brancos são mais inteligentes ou superiores aos negros os primeiros facistas da história? A idéia de raça a essas alturas deveria ter caído por terra, mas ainda até então servia como justificativa para a opressão dos colonizadores na África.
Outra discussão que podemos fazer com este trecho são os negros trabalhando para os brancos e os negros cumprindo ordem para os brancos e dizendo que ali era “lugar para construir casa de branco”. Trata-se do negro submisso, que aceita tamanha imposição do colonizador e repassa isso aos outros sem ao menos se questionar ou questionar o patrão.
E os negros sonhavam:

“um dia eles hão de fazer também casas boas pra gente morar”

João Xilim resiste ao fato e aos comentários do negro que viera a mando dos brancos:
“Vocês não acredita neste mulato! A gente não precisa desta conversa! A gente fez aqui nossas casa há muito tempo, não é? Para quê vão mandar a gente embora? Onde está dinheiro? Pais de vocês e pais de pais de vocês não morava já aqui? Não é os pés da gente que pisa neste terreno? Tem muito lugar para os brancos ir fazer suas casas! Para que vão correr a gente daqui?
Os homens não dizem nada mas baixam as cabeças. João Xilim prepara-se para continuar.”
Há uma briga de bofetadas de João Xilim com o negro, esta é a resistência que vemos no conto. Enquanto alguns calam-se João Xilim não.
Atualmente no Brasil, vemos que não há diferença nenhuma com os negros oprimidos retratados por Orlando Mendes e os movimentos sociais de pessoas sem terra, sem moradia que são obrigados a retirarem-se para tornar a terra produtiva, ou então de políticos que destroem favelas para construírem avenidas ou então os cingapuras como alguns por aí. Podemos notar que opressão e questão racial existe em toda parte, e isto não se pode negar.
Os brancos vencem a batalha, os negros ganham algum tempo a mais para permanecerem mas devem sair das terras para serem construídas casas de brancos. Saem.
Nesse instante a primeira história de Luísa e João Xilim retorna: Na hora da mudança Luísa trabalha e muito carregando as coisas, e por fim perde o feto.
O Conto termina com ela abraçada por João Xilim e com a seguinte frase do narrador:

“E ela fecha novamente os olhos e fica assim por muito tempo, acordada e pensando em mais este bocadinho de esperança perdido.”
Parece que há o perdão do marido, mas o feto não nasce. A mudança oprime Luisa, as possibilidades de transformação da vida que levava não ocorrem, o feto não nasce a possibilidade de mudança da vida não ocorre, o sonho permanece.

Um comentário:

Anônimo disse...

eu acho que a idéia de raça não caiu por terra até hoje, na maior parte do mundo.