Hoje apresento um texto inédito do nosso correspondente (convidado!) em Israel, Maurício Schuartz. Vez ou outra teremos textos lúcidos desse brasileiro que passou o último ano em Israel, viu muita coisa, sentiu outras tantas e está a desmistificar certas visões sobre os velhos conflitos na região. Divirtam-se.
No meio do caminho
Não é que ninguém tenha ouvido falar. Nem que ninguém saiba, na verdade isso que eu vi está em qualquer jornal, é manjado e talvez nem seja assim tão diferente do que acontece todos os dias aqui do lado, no Capão Redondo. Mas é que eu fui longe pra ver o que estava acontecendo. Eu cruzei muros, medos e checkpoints e coloquei o meu avantajado nariz judaico no solo palestino, Ramallah pra ser mais preciso.
A distância de Jerusalém não é certamente o motivo pelo qual judeu nenhum que eu conheço jamais tenha posto os pés lá. "O que você foi fazer lá?" Se eu não fosse até lá como é que eu iria saber. E não foi uma vez, foram três. Primeiro por curiosidade, depois por uma quase-necessidade (não seria também curiosidade?) e por último porque eu queria mais (curiosidade pura!). Mas até que há um certo argumento judaico pra ir a Ramallah: lá tudo é 25% mais barato que em Israel. Mas os israelenses não podem cruzar pra lá. E a desculpa do bom negócio - a que sempre colava até entre os mais radicais - não justificava tantas idas e vindas. É que a simples peregrinação à Terra Santa me parecia óbvia demais. E foram esses dias aí quando eu passei medo, euforia e matei os meus preconceitos que fizeram toda a diferença. Por que esse testemunho ocular vale milhares de editoriais de internacional. O mapa do caminho, o controle de Jerusalém, os assentamentos, os acordos de paz, tudo é menor quando sente o ódio no olho, tensão na rua e a saudosa hospitalidade do oriente médio te quebra as idéias pré-concebidas de um povo amargo. Café em Ramallah é lei! Passar o tal muro da Cisjordânia dói e muito. É que brasileiro que se preze sabe bem que muro não resolve problema nenhum. Só isola uma realidade que é inevitável. E checkpoint é curral humano. Parece que tudo leva a uma desumanização constante, e a repressão chega aos níveis mais doentios. Fotos? Proibido! E descobri do jeito duro, com uma soldada de dedo no gatilho mandando uma menina apagar as fotos dela. Se ninguém vir, não aconteceu.
E a violência traumatiza, amadurece e depois vira só aquela pedra no meio da minha cabeça. Não da pra dizer que eu não estive lá. A verdade é que dificilmente me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha um checkpoint, tinha um checkpoint no meio do caminho.
E a violência traumatiza, amadurece e depois vira só aquela pedra no meio da minha cabeça. Não da pra dizer que eu não estive lá. A verdade é que dificilmente me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha um checkpoint, tinha um checkpoint no meio do caminho.
3 comentários:
Que o Maurício seja bem-vindo. Fiquei curioso em saber a impressão dele de Ramallah propriamente, as experiências por que passou e se teve algum impacto em sua vida. Há alguma coisa nesse sentido, Carol?
Sim, querido Elton, há! Depois te mando mais textos dele!
O Mauricio (mais conhecido como Caqui) escreve muito bem, e manteve um blog enquanto estava em Israel...
Muito bom esse texto.
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