O Homem Que Sabia Javanês é um conto de Lima Barreto escrito em 1911 (um ano depois da fundação do glorioso timão), em que dois personagens incluindo o que sabia falar Javanês e Castro sentam numa mesa de confeitaria e começam a papear sobre coisas da vida. Lembrou-me muito essas conversas dos tantaproseanos na mesa de bar...Acontece que o fim do conto é um tanto quanto esperado, mas mesmo assim não deixa de ser um bom texto.
O Homem do Javanês explica a seu amigo Castro como que conseguiu sucesso na vida mesmo sem saber falar Javanês:
"- Eu tinha chegado havia pouco ao Rio estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anuncio seguinte:
'Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas, etc.' Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre a imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e a língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo maleo-polinésico, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.
A Encyclopédie dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras. Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.
À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente.
Convenci-me que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí... "
Sabemos da existência de figurinhas tarimbadas no nosso mundão de uspianidades que só pelas três letras atingem um mar de possibilidades de empregos. O conhecimento está aí para todos acessarem, mas títulos não indicam nada. Numa conversa informal pude defender a idéia de que na vida é necessário saber se comunicar, dialogar, argumentar e saber ouvir pensando rápido e não deixando que a paixão tome conta de suas palavras a todo instante...Bingo! tá aí uma das regras de comunicação do Grice e suas máximas conversacionais e o Princípio de Cooperação: "seja claro, seja breve, seja relevante, seja verdadeiro e seja feliz".
O personagem bom de papo pseudo-sabedor de Javanês por algum momento não foi verdadeiro para o mundo, mas não enganou a si próprio e acreditou até o fim que seria possível conseguir sucesso ensinando Javanês mesmo sem saber ao certo como funcionava essa língua.
A máxima de Grice sobre a verdade ao meu ver deve ser seguida que foi furada em passagens do conto...sei não...Penso realmente que todas as máximas conversacionais devem ser levadas em conta com isso a possibiliddade de felicidade com a comunicação quase-perfeita é bem maior.
Mais um pouco do conto para servir de argumento...
"Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à Rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que numero. E preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar e responder "como está o senhor?" - e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.
Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei, para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil - podes ficar certo - aprender o javanês... Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, Com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir a simpatia da natureza...
(...)
Esperei um instante o dono da casa. Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.
- Eu sou, avancei, o professor de javanês, que o senhor disse precisar.
- Sente-se, respondeu-me o velho. O senhor é daqui, do Rio?
- Não, sou de Canavieiras.
- Como? fez ele. Fale um pouco alto, que sou surdo, - Sou de Canavieiras, na Bahia, insisti eu. - Onde fez os seus estudos?
- Em São Salvador.
- Em onde aprendeu o javanês? indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.
Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de um navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.
- E ele acreditou? E o físico? perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.
- Não sou, objetei, lá muito diferente de um javanês. Estes meus cabelos corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço de malaio...Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.
- Bem, fez o meu amigo, continua.
- O velho, emendei eu, ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, pareceu que me julgava de fato filho de malaio e perguntou-me com doçura:
- Então está disposto a ensinar-me javanês?
- A resposta saiu-me sem querer: - Pois não."
No fim da conversa o suposto proessor de Javanês conta a seu amigo como continuou a se dar bem, só com discursos e puro convencimento...minha nossa, depois de dar o conto mamão com açúcar de colher na boca pra vocês, agora só lendo o final.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
Javanidades na sexta toda prosa
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7 comentários:
"seja claro, seja breve, seja relevante, seja verdadeiro e seja feliz".
Ha, tinha que pendurar essas maximas lá na Faculdade de Historia! Poucos são claros, quase nenhum são breves, verdadeiro é uma palavra desconhecida no departamento e por último, ser feliz tem um significado obscuro - se colocar de Deus e menosprezar os seres inferiores rsrsrs
Profissa, tatu! O senhor está mandando muito bem.
uia la!
vamos que vamos, agora vou postar o balcão dos anúncios...
valeu camarossi
e quanto as pérolas uspiana, xii...podemos começar por quem lá leandro?
Isso me lembra um amigo distante que faz isso. Não com Javanês, mas com xadrez.
Vc conhece Ivan?
kkkkkkkkk...um tal caixa eta que por aglutinação fica caixeta?
ah não é tanto isso é coisa de baixa auo-estima.
flw
eu acho essa sua máxima furada(essa de "seja breve" e talz), mas isso a gente dicute pessoalmente depois.
não é minha...quem me dera
é do Grice.
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