quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Direitos Ocidentais Universais

Última semana antes do ano novo. Desejos de paz e prosperidade pipocam através dos veículos de comunicação, proclamando, com boas intenções, uma convivência pacífica entre os povos do planeta. É sobre essa universalidade que vou falar hoje. Elaborei um texto comprido, sério e bem polêmico, mesmo sabendo que nessa época do ano poucos irão se dispor a ler. O eixo central da discussão é sobre direito, sobre a elaboração das leis, sobre a validade de um conjunto de regras para toda a humanidade e a crença em regras “naturais” que regem o mundo. Para isso utilizo as declarações dos direitos universais do homem, através de uma análise histórica, discutindo as intenções teóricas e práticas de alguns países que lutam para a implementação desses direitos em todas as nações. Vamos averiguar então, utilizando as declarações universais de 1793 e 1948, as claras noções históricas de alguns direitos e a necessidade de estabelecer aqueles que já foram determinados na declaração, mas que ainda estão longe de serem cumpridos por muitos Estados nacionais modernos. Sobre a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, feita primeiramente em 1789 durante o inicio da Revolução Francesa, e depois reelaborada em 1793 num período de intensificação da força popular no movimento, podemos considerá-la como a primeira tentativa de estabelecer direitos considerados universais à todo homem. Essa tentativa de universalidade levou o documento a ser escrito de maneira “aberta”, permitindo uma ampla interpretação de suas evocações; porém é preciso considerar certos pontos a respeito da época de sua criação. A Declaração dos direitos do homem e do cidadão não considerava as mulheres como sujeitas de direitos iguais aos dos homens. Em geral, em todas as sociedades do período, o voto era censitário e só podiam votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres e os analfabetos não podiam participar da vida política. Devemos também lembrar que estes direitos não valiam nas relações internacionais. Com efeito, neste período na Europa, ao mesmo tempo em que proclamavam-se os direitos universais do homem, tomava um novo impulso o grande movimento de colonização e de exploração dos povos extra-europeus; assim, a grande parte da humanidade ficava excluída do gozo dos direitos. Analisemos o artigo XXVII da Declaração de 1793, que diz: “Que todo indivíduo que usurpe a Soberania, seja imediatamente condenado à morte pelos homens livres”. Ao ler este artigo da declaração notamos que sua abrangência é bastante ampla, podendo ser interpretada de diversas formas, não havendo uma especificação mais completa que impedisse ambigüidades. A noção de soberania no artigo remete à cidadania e não mais ao rei (do antes conhecido Antigo Regime); a morte é declarada para qualquer um que tomar a soberania da nação para si em detrimento dos homens livres. Sabemos que ao não especificar as formas que essa usurpação poderia ser condenável, vemos através da história da própria França que, em menos de cem anos, tanto Napoleão Bonaparte quanto José Napoleão (ou Napoleão III), irão concentrar o poder sobre si mesmos, sendo proclamados Imperadores, sem que para tanto tenham sido condenados pela declaração. O artigo XXII – “A instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer tom todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos” – apresenta um mesmo problema que o artigo anterior. Através de uma análise histórica percebemos que foi preciso especificar melhor esse direito para que não continuasse havendo negligencia por parte do Estado, responsável por tentar estabelecer uma sociedade mais justa e igualitária. Quando, após a experiência terrível das duas guerras mundiais, os líderes políticos das grandes potências vencedoras criaram, em 26 de junho de 1945, em São Francisco, a ONU (Organização das Nações Unidas) e confiaram-lhe a tarefa de evitar uma terceira guerra mundial e de promover a paz entre as nações, consideraram que a promoção dos “direitos naturais” do homem fosse a condição central para uma paz duradoura. Por isto, um dos primeiros atos da Assembléia Geral das Nações Unidas foi a proclamação, em 10 de dezembro de 1948, de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo primeiro artigo reza da seguinte forma:
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Os redatores tiveram a clara intenção de reunir, numa única formulação, as três palavras de ordem da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade. Desta maneira, a Declaração Universal reafirma o conjunto de direitos das revoluções burguesas (direitos de liberdade, ou direitos civis e políticos) e os estende a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proíbe a escravidão, proclama os direitos das mulheres, defende os direitos dos estrangeiros, etc.); afirma também os direitos da tradição socialista (direitos de igualdade, ou direitos econômicos e sociais) e do cristianismo social (direitos de solidariedade) e os estende aos direitos culturais. É oportuno lembrar que a Declaração Universal foi proclamada na plena vigência dos regimes coloniais e que, mesmo após subscreverem a declaração de 1948, as velhas metrópoles colonialistas continuaram remetendo tropas e armas para tentar esmagar as lutas de libertação e, em praticamente todos os casos, só se retiraram após derrotados por esses povos. Só como exemplo da falta de aplicação dos Direitos declarados, peguemos três artigos:
Artigo III - Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo XXV - §1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Através de uma breve análise, percebemos que os três artigos refletem uma realidade eurocentrica ocidental. A maioria dos países orientais sequer estão estruturados de maneira a atingirem esses objetivos, enquanto que países como os Estados Unidos simplesmente ignoram todos os três em suas políticas intervencionistas; o que chamamos atenção é para a necessidade de discutir a noção de universalidade dos direitos de 1948, levando em conta as especificidades históricas de outras realidades, e principalmente das nações menos desenvolvidas (em grande parte decorrência da exploração dos países ditos “desenvolvidos”). Este olhar “de baixo”, dos excluídos, das vítimas, pode e deve ser a nossa contribuição para uma reconstrução da história dos direitos do homem menos unilateral e simplista do que geralmente aparece nos manuais de divulgação da história dos direitos humanos, os quais apresentam a trajetória da Revolução Americana e Francesa do Século XVIII para concluir finalmente com a Declaração Universal das Nações Unidas do Século XX. A Europa e o Ocidente aparecem, assim, como o espaço onde progressivamente, ainda que com contradições, se forja a emancipação do homem, que é, posteriormente, estendida a toda a humanidade como modelo a ser seguido. O resto do mundo constitui o agente passivo, marginal, é o “outro” que não é “descoberto”, mas “ocultado” e recebe a voz dos Direitos Humanos do Ocidente civilizado.

* Com auxilio do texto de Giuseppe Tosi - site da UFPB

Um comentário:

Anônimo disse...

atualmente os direitos humanos servem para limparmos a bunda na hora que cagamos, pra nada...passam por cima rapidim, embora alguns são válidos e são legitimados na realidade.