terça-feira, 25 de setembro de 2007

Terça mochilão

Jena six


Jena, Lousiana, sul dos Estados Unidos. Nessa cidadezinha de 4.000 mil habitantes, coisas estranhas têm acontecido desde o final de 2006. Na verdade, coisas muito estranhas têm acontecido: ao que tudo indica, a Ku, Klux, Klan voltou à ativa depois de romper ruidosamente a fina camada de gelo que cobre a América, a terra da democracia e da liberdade, onde todos os sonhos podem ser realizados.
Em Jena, somente 10% dos alunos matriculados na escola local são afro-americanos, jeito politicamente correto utilizado para denominar os negros ou 'black people' por lá. Os outros, mais de 80% dos alunos matriculados, são brancos e costumeiramente têm como ponto de encontro uma certa árvore, bem no centro da área de conivência da escola (vejam a foto lá embaixo): a 'white tree'.
Em setembro do ano passado, um adolescente negro, em plena assembléia estudantil, pediu a permissão do Conselho Escolar para sentar-se sob a 'white tree', o que foi imediatamente aceito pelo diretor da escola: 'sit wherever you want'. O adolescente então, juntamente com mais amigos, sentou-se sob a tal árvore.
No dia seguinte, porém, três forcas apareceram penduradas nos galhos da árvore. Três estudantes brancos foram identificados e o diretor recomendou a expulsão deles da escola. O Conselho Escolar, porém, achou a punição excessiva e determinou somente três dias de suspensão, afinal, crianças adoram piadas e não há nada de ameaçador nisso.
Foi o suficiente para os conflitos raciais se intensificarem. Os alunos negros, em minoria, protestaram contra a medida e sentaram-se todos sob a 'white tree'. Por esse motivo, o defensor público de Jena, um branco cuja mentalidade parece ser a mais sulista possível, foi chamado ao local. Dizem que ele ameaçou os alunos negros que, segundo ele, estavam fazendo baderna devido a uma piadinha inocente: 'innocent prank...I can be your best friend or your worst enemy. I can take away your lives with a stroke of my pen'.
A partir disso, a situação ficou ainda mais tensa. No início de dezembro de 2006, um aluno negro foi espancado por alunos brancos em uma festa igualmente 'branca'. No dia seguinte, a vítima, que estava acompanhada por seus amigos negros, encontrou em uma loja de conveniência um dos brancos que o tinham espancado no dia anterior.
Resultado: o branco foi até seu carro e voltou armado, no que foi rendido pelos negros, que ficaram não só ficaram com arma, mas também registraram uma queixa no distrito policial de Jena. Nova arbitrariedade: o agressor branco foi liberado e os jovens negros foram presos pelo furto da arma.
Na segunda-feira após a prisão, também em dezembro do ano passado, o estudante branco Justin Barker foi agredido por um grupo de estudantes negros após insultá-los verbalmente e defender as forcas que foram penduradas na 'white tree'. Imediatamente, Barker foi levado ao hopital, sendo liberado no dia seguinte. Seis alunos negros foram presos, acusados de tentativa de homicídio em segundo grau e premeditação. Na seqüência, eles foram imediatamente expulsos da escola e as fianças, altíssimas, foram arbitradas da seguinte forma:
  • Robert Bailey Junior, 17 anos: US$ 138.000,00
  • Theo Shaw, 17 anos: US$ 130.000,00
  • Carwin Jones, 18 anos: US$ 100.000,00
  • Bryant Purvis, 17 anos: US$ 70.000,00
  • Mychal Bell, 16 anos (único acusado judicialmente como adulto): US$ 90.000,00

Um menor também fazia parte do grupo, mas não foi identificado. O fato é que dois desses rapazes devem ficar presos até o julgamento, especialmente porque suas famílias não conseguiram a quantia necessária para o pagamento da fiança e, convenhamos, na terra da liberdade ser negro também é, na esmagadora maioria das vezes, sinônimo de economicamente marginalizado, tal e qual acontece nessas bandas de cá.

Por falar em julgamento, espera-se que os jovens negros sejam condenados em até 100 anos de prisão, enquanto absolutamente nada foi feito com relação aos adolescentes brancos que penduraram as malditas forcas na 'white tree'. Somente o estudante branco que portava a arma na loja de conveniência foi acusado e preso por porte ilegal de arma, mas por ter levado um rifle contendo 13 balas para a escola de Jena. Porém, foi liberado após o pagamento de uma fiança de US$ 5.000,00.

Em face de tantas injustiças, a cidadezinha recebeu cerca de 60.000 mil manifestantes na semana passada. Vindos de todas as partes dos EUA, eles exigiram a revisão do caso (inclusive novos julgamentos) e a libertação de dois dos rapazes, que ainda permanecem presos. Na ocasião, um abaixo-assinado com cerca de 410 mil assinaturas foi entregue à Comissão de Direitos Civis do Departamento de Justiça norte-americano, em Washington, exigindo a revisão do caso e libertação do 'The Jena Six'.

Espera-se que o caso seja revisto, mesmo porque foi notícia no mundo todo e é forte a pressão da população norte-americana. O incrível é que grande parte dos juristas, inclusive o procurador-geral do Estado da Lousiana, dizem enfaticamente que o preconceito de raça não está presente no caso e que não houve nenhuma arbitrariedade. Ah, tá, mas eles são brancos, é sempre bom lembrar.

Fico a me perguntar o que podemos esperar desse mundo pós-moderno. Inacreditável como as pessoas não conseguem conviver com a diversidade e, por isso, acabem alijando desse sistema capitalista execrável qualquer indício de que isso aqui vai de mal a pior. 'Racismo? Imagina. Somos a sociedade mais democrática do mundo' (isso que não menciono o que acontece por aqui). Como disse o Orwell no seu 'Revolução dos Bichos', somos todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.

Na falta de palavras mais contudentes, deixo a Billie Holiday cantar 'Strange Fruit' (Southern trees bear strange fruit/Blood on the leaves and blood at the root/Black bodies swinging in the southern breeze,/Strange fruit hanging from the poplar trees) e aquele poema que postei aqui há umas semanas atrás, justamente sobre esse assunto.

*** Para quem quiser se manifestar em favor dos rapazes de Jena:

The Jena Six Defense Committee

PO Box 2798

Jena, LA 71342

jena6defense@gmail.com






9 comentários:

Julia disse...

Já tinha te dito por email né, mas repito, assustador esse negócio. Só não vou até a Louisianna porque não tenho $, mas se tivesse ia se mais uma nos 60 mil contra essa covardia descarada e doente desses americanos...

Elton disse...

Com essa qualidade, pode escrever quantos posts quiser, minha cara.

Tio Vinix disse...

É grave... muito grave.

salvaterra disse...

- déiz mil naquele da esquerda!!

- vendido praquele senhor de casaca branca e capuz branco sentado em sua mula branca!

Anônimo disse...

Agora analisando com calma:
Essa é a cara do Império, a nação de genocidas em potencial. Alguns conhecidos meus me criticam por eu apoiar incondicionalmente a Revolução Bolivarista, mas creio que estão expostos os opostos ao se comparar a mentalidade do Estadunidense médio com o miserável Venezuelano, com a constituição debaixo do braço. E eu já tomei o meu partido. E nem me venahm com essas merdas de Terceira Via, de caminho pacífico, que isso é a forma mais eficiente de esvaziamento de discurso que os exploradores modernos encontraram para acabar com a s novas gerações de explorados-inconformados, tornando-os explorados-conformistas.

Carol M. disse...

Isso mesmo, Vinix! Como diz sempre um amigo meu: esse mundo tá cheio de resignado militante.

Anônimo disse...

Mas até que ponto pode ir o ímpeto do explorado-inconformado? A linha que separa o médico do monstro é muito tênue. Vejam bem, de forma alguma tomo partido do explorado-conformista, tampouco de paliativos. Mas no nosso caso, salvo uns poucos conscientes, somos uma massa bem manipulável. Uma merda de uma humanidade. "Não está comigo, está contra mim" é o que adotamos como lema mais querido e primitivo. Sangue no olho e não vemos mais o fio condutor das situações titereiras. Míopes de bom senso, ficamos no animalesco, num estágio instintivo burro segregando uma raiva estúpida, calcados num medo ignaro. Brancos segregam negros. Negros segregam brancos. Brancos e negros, juntos, espancam homossexual. Jovens de classe média levam o segregacionismo ao extremo ateando fogo a índio. Torcedores do time tal barbarizam os torcedores do time outro. Os "homens de Deus" segregam outros e segregam-se a si mesmos. São os senhores-de-todas-as-bizarrices. Políticos gostam de alternar: nesta conveniência, podres do adversário para todos os lados, assassinatos se necessário; na seguinte, todos tapinha-nas-costas (uma disputa para ver quem angaria mais beócios). Punks segregam góticos, que segregam emos, que choram. Somos parcialidades a se digladiar. Isso não acaba tão cedo. Movimentos como esse servem para tentarmos abrir um pouco os olhos para o que de fato estamos combatendo. E que nos segregamos porque somos todos iguaizinhos.

Tio Vinix disse...

Boa conclusão, dona moça. mas isso não nos impede de tomar um partido, já diria o Ministro Puskas. E de pelo menos tentar a dialética. Essa é a idéia, talvez não a prática.

Anônimo disse...

Mas nem eu acho que isso deveria nos impedir, Vinix. Só lamentei que a tentativa de erradicação do preconceito, segregação, esteja fadada a pequenas vitórias. É uma luta um tanto inglória, pois a humanidade se renova a cada segundo de pessoas que, quando adultas, vão ser ou não esclarecidas e promover ou tentar erradicar o preconceito. Simplesmente não acaba. Mas, de tentar e tentar, quem sabe não conseguimos ao menos ver o motivo real de agirmos assim. É o primeiro de muitos passos.
E idéias temos tantas... a maioria vira utopia. Temos déficit de ações práticas com bons resultados.