sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Mais Literatura Africana - Angola (II)

Último texto da prova de Africanas I que fiz na Letras. Quem não tiver paciência, pule para a conclusão. É o parágrafo que começa com "Por meio dessas três histórias..."

2ª Questão – Compare as formas de representação e organização dos espaços urbanos na novela "Nga Muturi", de Alfredo Troni, no conto “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos, e no conto “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, de Luandino Vieira.

Os três autores trabalham com polaridades espaciais bem definidas, que acabam, por fim, caracterizando a inserção social de suas personagens.

Para Alfredo Troni (1845-1904), os pólos fundamentais consistem na terra do Muene Putu (rei, chefe ou senhor) e no mato, o universo rural e tribal de origem de Nga Muturi. A ascensão social da personagem pode ser vista por meio dos locais que habita e freqüenta ao longo da narrativa. Das cubatas de sua terra natal, onde é negociada e vendida como escrava para pagar as dívidas de um tio, passa a viver numa libata , até que um comprador a leva como mucama. Vive na libata de seu senhor, que adoece e parte para Luanda, onde passam a morar num sobrado, que é também uma loja.
Os espaços são fracamente descritos, e nada sabemos da arquitetura, composição dos materiais ou mobiliário em geral. Porém são dotados de significados profundos na vida de Nga Muturi, pois cada recanto lhe traz uma lembrança marcante. No pátio, por exemplo, foi amarrada a um mastro e chicoteada pelo patrão. No beco avistou Chica e Serra namorando. Na camarinha deitava-se com o patrão e, certo dia, lhe fez um feitiço para que engravidasse dele: abriu um buraco no colchão na parte de baixo e lá colocou pés, ossos e a cabeça de um galo, o que, depois de descobertos, lhe valeram uma surra.
Com a morte do senhor, Nga Muturi herda dois contos de réis e o sobrado, marcando definitivamente sua mudança de classe.
A missa, e principalmente as missas, dão o tom da organização sócio-espacial da sociedade luandense do período, marcado por uma convivência forçosamente tolerante entre brancos e negros, mas ainda assim profundamente preconceituosa. Durante oito dias, Nga Muturi celebra missas no sobrado, para onde se dirigem desde o delegado e filhas de tenente-coronel até os amigos e conhecidos próximos, como o Serra, todos ávidos por participar e se divertir nos batuques.
Invejada e detentora de capital, Nga Muturi agora empresta a juros e penhora bens alheios. É madrinha de Mariquinha, moradora do musseque Spínola, aonde vai visitá-la com certa freqüência e, comparando “a sua existência na libata com a que leva agora, diz de si para si que a terra do Muene Putu é muito melhor que o mato.”

Arnaldo Santos (1935), em A Menina Vitória, trabalha com os pólos Beira Alta, um dos departamentos de Portugal, e o Kinaxixe, região rural marcada por um lago e com conotações místicas. Embora também se trate de uma família que ascende socialmente, a história se concentra na formação identitária do menino Gigi, em conflito permanente com a professora Vitória, que, junto com os pais, lhe poda os costumes e influências da convivência com os meninos pobres, seus amigos. Dessa forma, a escola é o espaço da opressão, ao passo que as ruas, o da liberdade. Num local é reprimido, ofendido e espancado; no outro é alegre, espontâneo e vivaz.
O espaço é essencialmente marcado pelas palavras utilizadas para descrevê-los. O principal conflito que Gigi trava com Vitória, mulata formada na Metrópole, é justamente por conta das expressões em quimbundo que utiliza nos textos. Cada vez que se esforçava em decorar as palavras em português, substituindo o quimbundo, “esvaziava-se das pequeninas realidades insignificantes que ele vivia, das suas emocionantes experiências de menino livre, agora proibidas e imprestáveis.”
No entanto, o alvo predileto da ira de Vitória é o colega de classe Matoso, cafuzo e de mesma origem social. O sentimento de hostilidade ao menino é espacializado num “círculo intransponível de desprezo, onde ele já não se debatia, nem chorava.” Matoso ocupa o fundo da sala, e Gigi, ao ter as mãos castigadas pela palmatória, chora de raiva e vergonha, mas afirma-se como indivíduo perante o poder, ao exibir “os olhos secos, enxutos, e orgulhosamente raiados de sangue, como os de Matoso.”
Percebemos na sala de aula uma geografia do poder perversa e preconceituosa, em que os alunos brancos sentam-se próximos à professora, enquanto os mais escuros, ao fundo.

Em “Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos”, os pólos fundamentais que Luandino descreve se constituem no musseque e na Baixa. Vavó Xíxi e Zeca Santos habitam um musseque qualquer; no fundo, o nome do bairro não importa: a história de vida de ambas personagens se repete em todos os musseques de Luanda.
Com o pai encarcerado acusado de “terrorismo”, Zeca Santos tem a difícil empresa de sustentar-se a si e Vavó Xíxi. Estigmatizado pela origem social, é negado nos empregos que procura. Quando vai à Baixa e nos escritórios de contratação lhe perguntam onde nasceu – Catete, patrão! – logo é posto para fora, sob ofensas, pontapés e chapadas. Território que lhes é profundamente hostil, é na Baixa, entretanto, que buscam a sobrevivência. De lá Vavó traz os restos recolhidos nas ruas sem árvores. Para lá Zeca Santos vai em busca de emprego no posto de Sô Souto, que o recebe a chicotadas e insultos, dizendo-o filho de terrorista. Lá consegue emprego de carregador de cimento, ao custo de repassar uma parte do salário a um intermediário. Finalmente é lá, na Baixa, que se encontra a fábrica em que trabalha Delfina, por quem é apaixonado e que, apesar de lhe ter muito carinho, nega-se a viver com um desocupado.
Mas tampouco o musseque pode ser visto como um local agradável. Habitando uma cubata erguida sobre o chão de terra batida, quando chove, conforme anunciado no início da história e previsto por Vavó, a habitação é tomada pela água, transformando o solo em barro e derrubando os lares de moradores locais. A dor de viver num local tão pobre sem dúvida é sentida de forma mais intensa por Vavó Xíxi, cuja memória de sua casa, um sobrado, lhe vem à mente juntamente com seus dias de Dona Cecília de Bastos Ferreira, Nga Xíxi para as amigas e vizinhas, moradora da região de Coqueiros e Fortaleza, lembrança indelével de um dia de sol; bem diferente da cubata de um musseque qualquer, sem nome e totalmente vulnerável às chuvas que atemoriza os moradores.
Contudo, a realidade é o musseque, com o qual acabam se familiarizando, principalmente o neto Zeca Santos. Os bichos e plantas que povoam o local, os caminhos que de lá partem e para ali conduzem adquirem um colorido familiar ao menino. É nas áreas baldias situadas entre o musseque e a Baixa que Zeca Santos integra-se à paisagem, na tentativa de ganhar os carinhos de Delfina, cujo corpo, sequioso por possuir, aparece como único espaço reconfortante e seguro. Mas a ousadia lhe custa caro e a garota joga em sua cara a condição social humilde e desprovida. – “Você pensa que sou da tua família, pensa? Que sou dessas, deita no capim, paga cinqüenta, vem dormir comigo? Pensas? Seu sacana, seu vadio de merda! Vagabundo, vadio, não tens vergonha! Chulo da sua avó, seu pele-e-osso!...”
O temor de perder Delfina é agravado pela conhecimento que tem da existência de um concorrente: João Rosa, que, ainda por cima, possui um carro, ou seja, um espaço privado disponível para as investidas sobre a garota.
Com um emprego incerto e sem amor, retorna Zeca Santos ao musseque, onde o aguarda Vavó Xíxi. Varados pela fome, deliram e choram. Vavó condenando a atitude de Zeca Santos, que, sempre que arrumou emprego, terminou por gastar o dinheiro com bailes e roupas. Uma camisa amarela, xodó do garoto, era a gota d’água para a velha. A fome estava por todos os lados da cubata, que, à semelhança de suas barrigas, está vazia, sem mobília, sem comida, sem dignidade, no silêncio de um musseque qualquer de Luanda.

Por meio dessas três histórias, podemos perceber que os espaços que acompanham as personagens das narrativas são dotados de um significado esclarecedor do momento histórico em que foram escritos e ao qual se referem, e da perspectiva do autor sobre a realidade de Angola.
Em Nga Muturi, Alfredo Troni nos dá os pólos espaciais mato e terra de Muene Putu, que constituem, na verdade, locais de atraso e progresso na trajetória ascendente da personagem. O sincretismo de que dão testemunho as missas revelam tendência à crioulização, numa mistura cultural entre as tradições africanas e portuguesas.
Os pólos espaciais de “A Menina Vitória”, de Arnaldo Santos, são a Beira Alta e o Kinaxixe, regiões opostas no plano da colonização. A Beira Alta constitui uma região da Metrópole e o Kinaxixe, de Angola. É dentro desses dois universos que se dividem as influências sobre o menino Gigi, que no fundo representam a opressão e a liberdade. Trata-se já de um contexto em que se verifica o recrudescimento da segregação espacial do negro, promovida pelo governo de Norton de Matos, a partir de 1912, e mantida até o início da guerra de libertação, que estourou em 1961.
Já Luandino Vieira determina o musseque e a Baixa como os centros espaciais nos quais circulam Vavó Xíxi e Zeca Santos. Entretanto, não há uma oposição clara de valores entre um e outro, como se verifica em “Nga Muturi” e “A Menina Vitória”. Tanto o musseque como a Baixa são locais extremamente trágicos para as personagens. Empobrecidos devido à segregação espacial, que empurra os negros aos musseques, e mergulhados no contexto da luta pela independência, o conto é um relato contra a alienação que a busca desenfreada pelo estilo de vida ocidental burguês promove sobre a juventude, representada por Zeca Santos, que, desatento aos conselhos de Vavó Xíxi, não dá conta de prover a casa. Embora não sejam homogêneos, todos os espaços estão sujeitos a uma totalidade: a da dominação colonial.

3 comentários:

Mixirico disse...

juro que me esforcei pra ler desde o começo, mas chegou uma hora que tive que seguir a dica de pular ao antepenúltimo parágrafo...me cansei...história da Áfricanão é muito legal....

Elton disse...

devia ter editado o texto. mas bateu preguiça e aquela sensação de que o a análise ficaria superficial. mas vc tá certa ao cansaço. ler textos compridos no computador é um porre.

Tio Vinix disse...

então, o texto é ótimo, mas essa coisa de distanciamento que essas análises criam é muito ruim. Mas é uma mal da forma,não do conteúdo, que fique bem claro.