sábado, 26 de janeiro de 2008

Porque hoje é sábado

[Um flerte com o mundo real ou o descanso do exílio].
Na verdade ela não queria que eu criasse nenhuma expectativa. Nem eu próprio. Deixe os dias escorregarem devagar entre os dedos, era o mantra que eu vinha entoando nos últimos meses, desde aquela noite chuvosa, cheirando à carnificina.
Mas tudo é tão inútil. Sofro de males terríveis. Suporto somente as mentes mais brilhantes. E ela era invariavelmente genial. Mesmo - e principalmente - quando me atropelava com as palavras mais tenebrosas sem motivo algum.
Tentei me precaver. Daqui de dentro tomei medidas preventivas, abstive-me do velho pânico. Mas sou tão arrogante nas minhas escolhas, os bons scripts sempre me caem bem: luvas tateando cada milímetro do meu espírito. Daí que nos enroscamos fácil entre conversas, sambas e cervejas. A mesma cadência. Eu podia ouvi-la por quilômetros. Ela exalava desejo. Eu também.
Mas ela sofre de males terríveis e eu não tolero realidades. Nos envolvemos fácil, ainda assim. E os dias passaram simples, únicos, maravilhosos. Havia um acordo tácito nos olhares; silêncios nos abraçavam bem.
Aqueles olhos castanhos, os lábios hábeis e o sorriso claro acomodavam minhas inquietações. Então eu me declarei. Abandonei todas as precauções, o mantra, o velho pânico.
Quando percebi a cadência havia mudado. E parou. Ela buscava olhos azuis, tão blasé, num passado próximo. Tão surpreendente, essa moça. E eu ainda espero palavras revestidas de atitude. Estacionado aqui, pela terceira vez nessa semana. Mas não as peço.
Talvez ela venha. Não venha. Amanhã, depois, talvez. Através das sombras.
Daqui 48 horas não vai mais lembrar de mim e silêncios não funcionarão. Nada deveria ter acontecido - nunca.
É a praxis. Relações que se iniciam com encantamento passam. Voláteis, como o primeiro gozo.

Trecho do meu primeiro romance, "O avesso de Pandora", em fase de execução.

4 comentários:

Tio Vinix disse...

Apesar do otimismo latente(rs), ótimo texto, ótima palhinha. Estou ansioso pelo todo. Boa sorte

Elton disse...

gostei tb.

Virgínia Helena disse...

Eu "quase" nunca comento nenhum texto por aqui, mas procuro sempre ler, sobretudo os seus textos, por serem de um assunto muito interessante. E tenho de lhe falar: você escreve muito bem. Também estou ansiosa pelo todo.
Bj.

Paula Zilá disse...

Não sei quem é vc, mas escreve muito bem! Esse texto me tem algo de familiar, já vi esse filme algumas vezes, de ambos os lados.
Parabéns, vc sabe transpor em palavras oq muitas vezes morre em memórias ou atos equivocados.