sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sexta Literária: O mundo da mesquinhez

(foto tirada da primeira gorjeta que fez meu coração palpitar mais forte)



Eis a prosa de hoje, é melhor aproveitar antes que seja cobrado para acessar o blogue, por enquanto é FREE, mas vai saber...Aproveita também porque não é todo dia que postam contos quase na íntegra de Rubem Fonseca e espero que não sofra problemas com os direitos autorais, ou com falta de solicitação para divulgação de partes do textos...que seja, estou divulgando o cara e seu excelente trabalho, mas, é pra isso que temos advogados ao nosso lado. nos confundir?

boa leitura!

O pedido

"Durante dois dias Amadeu Santos, português, viúvo, biscateiro, rondou o depósito de garrafas de Joaquim Gonçalves, sem coragem de entrar. Mas naquele dia chovia muito e Amadeu estava cansado, com perna doendo do reumatismo. Além disso a bronquite crônica fazia-o tossir sem parar."


Trata-se portanto da história de um garrafeiro que vai pedir dinheiro a um inimigo que não vê há um bom tempo. Fica envergonhado com o pedido mas mesmo assim o faz. Amadeu Santos chega ao depósito de garrafas do Joaquim , faz cara de coitado, olha para o chão aproveita-se da chuva e embala algum diálogo:


"E os negócios como vão?


Não me queixo, disse Joaquim imaginando qual seria o propósito da visita de Amadeu. As surradas roupas deste, os sapatos velhos, mostravam que Amadeu não estava bem de vida. Mas os negócios não são mais como antigamente, acrescentou Joaquim, já prevendo um possível pedido de dinheiro. Não creio que ele tenha a audácia de me pedir alguma coisa, pensou Joaquim, afinal somos inimigos e não nos falamos há anos.


(...)


Sem tirar os olhos do chão Amadeu disse:


Será que podias me emprestar quinhentos cruzeiros? Não ando bem de saúde e tive que parar de trabalhar.


Joaquim levantou os olhos e disse: Quinhentos cruzeiros? Pode não parecer, mas pra mim isso é muito dinheiro.


Eu sei mas não tenho ninguém a quem pedir, disse Amadeu humildemente. No fundo de suas olheiras doentes, seus olhos estavam opacos de vergonha.


E o teu filho doutor? Por que não pedes a ele?, disse Joaquim com escarninho.


Meu filho morreu."


Daí pra frente ocorre o desfecho da história em que o personagem um convence o personagem dois de que seria importante o empréstimo e que de fato este precisava da grana e que deixasse de lado qualquer briga, mas a mesquinhez e raiva do passado sobre um filho inútil, acaba com qualquer possibilidade de reconstituição de amizade. Acompanha o desfecho e aplaude de pé o mestre Rubem Fonseca:


"Não sei de tenho todo o dinheiro aqui, disse Joaquim, levantando-se e indo até um velho cofre no canto da sala... Preciso dizer alguma coisa boa para ele, pensou Amadeu, até agora só contei as minhas desgraças e pedi dinheiro.


Como vai o Manuel? Ele está bem?, perguntou Amadeu.


Joaquim estava curvado sobre o cofre, contando o dinheiro, quando Amadeu fez a pergunta. Ele parou como se tivesse levado um choque.


O quê?, exclamou Joaquim.


Como vai Manuel?, repetiu Amadeu, surpreendido com o tom de voz de Joaquim.


Joaquim jogou o dinheiro de volta dentro do cofre, fechando a porta com força. Por que me perguntas uma coisa dessa? falou Joaquim com mágoa maior do que a raiva que sentia.


Eu...eu...Balbuciou Amadeu.


Sabes muito bem como vai esse cretino!


Eu não sei de nada, protestou Amadeu. Mas Joaquim não prestou atenção no que Amadeu dizia e gritou:


O vagabundo não faz nada, nem para garrafeiro ele serve. Dorme o dia inteiro e à noite sai a passear. Um homem de mais de trinta anos vivendo as custas do pai, do pai não, da mãe, que é uma cabeça d'alho chocho e tira dinheiro do meu bolso para dar a ele. Um dia eu o mato, o parasita inútil.


Eu não sabia...disse Amadeu.


(...)


Lentamente Amadeu levantou-se e, antes de sair andando com dificuldade, disse, adeus.


Joaquim ficou sentado um instante curto. Eu não sou essa pessoa, ele pensou envergonhado com a sua mesquinhez, e correu em direção a porta da rua gritando Amadeu! Amadeu! Amadeu, volta eu te dou o dinheiro!


Mas ao chegar à rua, ela estava deserta. Joaquim ainda gritou o nome do amigo algumas vezes, enquanto escorriam pelo seus rosto lágrimas abundantes e úmidas, de homem gordo e forte que era."


(FONSECA. Rubem. 64 contos de Rubem Fonseca. Cia das Letras, SP, 2005.)



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